quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Círculos concêntricos, excêntricos olhares desencontrados


Quero contigo cruzar todas as distâncias
E por ti cruzar a noção que tenho do tempo
Quero por tuas pernas percorrer montanhas e pântanos
e ao teu lado deslizar planícies infinitas
Quero que tua mão ampare a minha dor
e através dela sentir a turbulência da vida que chega.

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Sonhando teus sonhos habitei o jardim
que criei em sonhos meus que sonhaste
onde éramos a terra, a raíz, o caule e o fruto
Fui morada das tuas mãos que vieram das flores
que plantamos a quatro mãos em nossas vidas
onde semeamos nossos desejos, terra fértil do amor.

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Devagar penetraste a minha alma
E meu corpo despertou
Com teus cheiros coloridos
de mel e de alevrim
Percorri teu corpo
e delimitei a porta aberta
do teu amor
tua presença cravada em mim.

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Tus ruidos, tu risa y tus manos
Por estas calles se perdieron
y en mis sueños
en mi cuerpo se encuentran.


...............

domingo, 17 de janeiro de 2010

Frida Kalo


Ontem ainda li uma coluna na zero hora que falava sobre a morte e o papel do médico e equipe na hora de poder compartilhar com o paciente a escolha de técnicas diagnósticas e mesmo de tratamento - ou não - em casos de doenças terminais ou sem cura. Falava o médico que a partir de 2010 essa prática terá o respaldo do cremers, e que então, os atos ilícitos porém eticamente e humanamente mais justos e coerentes, deixarão o lugar sombrio que assustava a maior parte do corpo clínico, para ocupar o lugar que merece, lícito, exposto e com maior respeito aos direitos humanos. Agora, se espera o próximo passo, e, quem sabe a Suíça possa dividir o status do melhor caminho para quem procura o suicídio assistido.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

मोरते digna


Vinicius escreveu o seu poema "O Haver" como um consolo diante da morte. "Resta essa obstinação em não fugir do labirinto / Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente / E essa coragem indizível diante do grande medo / E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva..."




A morte anda sorrateira para muitos, porém, já me acostumei a sua presença tão solene, que já não me deixo surpreender assim tão facilmente. Não é tão indesejada como muitos podem pensar, não causa tanto sofrimento, como pode parecer. Alivia. Desamarra. Permite. Acalma.
É humana, é natural, fecha – ou dá continuidade – ao ciclo normal da existência. Silencia temores, acalma gemidos, embala saudades.
Sim, a morte digna é altruísmo de quem fica, humaniza até o último suspiro a existência.
Sr. João está morrendo, acompanho seu término até o fim. Num quarto de hospital, o odor fétido das carnes já imprestáveis envolve o ambiente. Gemidos, que outrora foram pedidos, súplicas por que o deixassem morrer, agora embalam o meu trabalho, que realizo em uma mentira cruel, a título de oferecer-lhe conforto até o fim. Agora já não existe conforto, a única possibilidade seria a morte. Já partiu deste mundo a sua alma, e está presa a um corpo apodrecido, que o segura, que o mantém às custas de oxigênio, de alimentos administrados em suas entranhas, remédios que protelam exaustivamente a sua tão sonhada despedida.
Em vida, teria enfrentado infinitas decisões o Sr. João, quem quer que tenha sido ele. Pode ter decidido por seus filhos, por outras vidas inclusive, pode ter sido obrigado a enfrentar escolhas cruéis, mas nada tão cruel quanto suprimir-lhe o direito de decidir sobre a própria morte. Se a enfrentaria lúcido, ainda em condições humanas, ou se entregaria seu destino final à pessoas que não fazem idéia de quem pode ter sido ou ainda é o Sr. João. Entregaria o final de sua existência a quem, a mando de modernas tecnologias, e pensamentos que incitam a perpetuar a existência da vida, sem importar a sua dignidade. Há uma nova ditadura pairando em hospitais e serviços de saúde, no mundo todo, que não permite a dignidade humana até o fim. Arrastam-se vidas, prolongam-se sofrimentos atrozes, mas a medicina e ciências afins estão no comando, propagando a idéia da morte-em-vida de pessoas que, naturalmente, já teriam conseguido despedir-se daqui.
Amanhã, mais uma vez, a título de conforto, realizarei fisioterapia no Sr. João, para que respire melhor – com mais qualidade – e para que sinta suas articulações moverem-se, para aliviar a tremenda dor que o invade, mas que agora cala por falta de forças, talvez mesmo por falta de lucidez. Espero, meu caro Sr. João, que a natureza (para quem crê, que seja deus) tenha tido piedade da sua alma, e tenha tirado-lhe junto com a voz e as súplicas para que o deixassem morrer em paz, a sua lucidez, a sua percepção do que ocorre em seu redor. Tomara que o senhor esteja (sobre)vivendo agora em meio a alucinações e viagens imaginárias em um mundo bom e justo, onde haja respeito pela dignidade humana, até o fim.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Bruni


contra l'amour

"C´est un blues..." L´amour by Carla Bruni.
***
L'amour, hum hum, pas pour moi,
Tous ces "toujours",
C'est pas net, ça joue des tours,
Ca s'approche sans se montrer,
Comme un traître de velours,
Ca me blesse, ou me lasse, selon les jours

L'amour, hum hum, ça ne vaut rien,
Ça m'inquiète de tout,
Et ça se déguise en doux,
Quand ça gronde, quand ça me mord,
Alors oui, c'est pire que tout,
Car j'en veux, hum hum, plus encore,

Pourquoi faire ce tas de plaisirs, de frissons, de caresses, de pauvres promesses ?
A quoi bon se laisser reprendre
Le coeur en chamade,
Ne rien y comprendre,
C'est une embuscade,

L'amour ça ne va pas,
C'est pas du Saint Laurent,
Ca ne tombe pas parfaitement,
Si je ne trouve pas mon style ce n'est pas faute d'essayer,
Et l'amour j'laisse tomber !

A quoi bon ce tas de plaisirs, de frissons, de caresses, de pauvres promesses ?
Pourquoi faire se laisser reprendre,
Le coeur en chamade,
Ne rien y comprendre,
C'est une embuscade,

L'amour, hum hum, j'en veux pas
J'préfère de temps de temps
Je préfère le goût du vent
Le goût étrange et doux de la peau de mes amants,
Mais l'amour, hum hum, pas vraiment !

domingo, 3 de janeiro de 2010

desconstrução

Mais uma vez eu me desconstruo, e a partir de agora, eu já não sei mais. Estou mordendo avidamente as amarras que me sufocaram os pulsos por certo tempo, não sei exatamente o quanto, nem o contei. Mais uma vez trago sangue na minha boca, de tanto fazer força pra destroçá-las, elas que me seguraram com tanta vontade. Estive assim, pois assim o quis, ou assim foi preciso. Estive afastada de quem eu sou, atada a outros corpos e outras vidas, evitando o tédio da minha, mais uma vez. Convivi com regras, estabeleci horários, “obedeci a desejos normais”, enquadrei-me na vida “normal”. Regrei minha vida a partir de desejos “normais”, não interessava se me pertenciam ou não. Faziam parte dos meus compromissos, das minhas rotinas “normais”. Igual a todas as pessoas, Igualzinha. Apodreci. Cheguei a desejar fazer parte de grandes grupos, grandes instituições, para não ser vista, para não precisar mais pensar, não precisar mais viver. Apenas acompanhar o grupo. Pouco interessava o que o grupo fizesse, quanto mais movimentado melhor, menos força para realmente viver. Estive muito preguiçosa pra viver nesses últimos momentos, muito mais fácil juntar-me a outras vidas amarrar-me a elas, atar-me e ater-me somente a elas. Esquecer a minha, pois é muito tediosa.
Mas meu espírito continua inquieto, meu corpo não se satisfaz mais, preciso falar na primeira pessoa, preciso arrancar as amarras que me confortaram tanto, me sufocando. A morte é confortável, mas a vida pulsa em mim, estoura minhas entranhas, arranca-me das sepulturas tão bem talhadas que eu mesma preparei, esperando descansar... a paz não existe, a paz seria patética, a paz seria o fim de tudo. Eu quero viver a guerra mais uma vez, escolher outras formas de me recortar, quase morrer de novo, pra depois gritar. Perco o sono, que merda, eu precisava estar dormindo agora, amanhã o dia está todo pronto, devo apenas seguir a agenda. Mais um dia de morte suspensa, mais um dia que acabarei exausta e tecnicamente feliz por ter cumprido tudo o que precisava. Devia. Era esperado que fosse assim. Ok, parei de sangrar, não pude ainda arrancar as malditas amarras, meus dentes estão cansados e fracos e o sangue jorrou da minha boca, sem direção alguma. Metáforas não têm espaço no meu dia de amanhã, ele está repleto de coisas “normais”. Vou deitar agora na minha cama, sozinha, sonhar que faço amor com alguém, estou cansada demais pra me tocar, então vou virar pro lado, não vou acender nenhum cigarro e vou dormir depois de gozar da minha própria desconstrução.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

...minhas queridas velhas...


As velhas andam pelos corredores da vida como rosas cálidas, sustentadas em sua natureza frágil, morna, leve. Trazem consigo a pele vincada pelas risadas e pelos prantos como as pétalas murchas da rosa que está morrendo. As velhas sabem que estão morrendo, mas ainda se preocupam com os filhos, com o penteado, com o batom e a roupa bonita. Agora riem gostosamente das caretas disfarçadas de sorrisos dos jovens que acham que nunca serão velhos. As velhas tb acharam isso, um dia. As velhas sustentam sua fragilidade em pernas já trêmulas, que outrora embalaram balanços, sonhos apaixonados, filhos chorosos e parceiros famintos. Em suas pernas, como nos galhos fracos da rosa que se despede, apostam as velhas em mais um pouco de caminho trilhado na vida. Elas olham pra trás e têm a lembrança recheada, rica em barulhentas gargalhadas e sofridos choros enlutados. As velhas, queridas velhas, sustentam a fêmea que há em suas essências até o fim, não se descuidam do perfume, do botão bem fechado que é pra não pegar frio, do cabelo bem preso, que não atrapalha a visão que ainda lhes resta nos últimos momentos. As velhas seguram-se na minha mão para os seus últimos passos, seus últimos movimentos arriscados, seus últimos sopros de vida. As velhas seguram na minha mão até o fim, assim, não morrerão com fome de pele. As velhas sabem bem despedir-se da vida com dignidade, candura e a beleza da rosa, que seca aos poucos e marca, inscreve nos livros a forma que um dia tiveram. Assim as velhas inscrevem no meu peito, as sutis diferenças entre a fraqueza e a fragilidade, entre a força bruta e a força de um caráter, entre a leveza insustentável de uma vida insana e a leveza terna da certeza de terem feito o melhor que puderam, sempre. Amanhã, levarei mais uma vez as velhas pelo corredor, e velhas ficarão as minhas lembranças desse tempo tão duro e tão rico, velhas serão as minhas certezas, todas elas, pois a vida se renova sempre, a cada passo pelo corredor, é a vida que está renovando-se e se re-inscrevendo mais uma vez.

Absolutamente longe

Absolutamente longe de quem eu fui, das origens dos meus pensamentos, das minhas idéias puras, que nasceram livres e distantes deste mundo. Estou só. Cercada de muita gente, gente que julga meus atos e o que pensam ser as minhas idéias, mas não fazem idéia de quem sou, pois estou absolutamente longe de mim. Falta-me a terra, entranhando-se por baixo das minhas unhas, por baixo dos cabelos, sujando-me o rosto, vincando-o por entre o suor. Faltam-me as estrelas quietas, em seu diálogo mudo, conversando com quem eu fui. Faltam-me as árvores galhadas imensas para que eu escale o mundo, para que escale a minha vida, para que eu leia em suas ranhuras que faço parte da sua natureza selvagem, que não sou diferente do seu envelhecimento tácito. Falta-me a calma para observar a ternura do olhar do cachorro velho, que estará sempre ali, mesmo que eu já não o veja mais.
Desprendi-me de quem eu sou. Agora apenas funciono, faço parte das engrenagens de uma vida que me pegou de surpresa, e me roubou de mim. Absolutamente longe de quem eu fui, deparo-me com uma estranha, de repente, uma mulher que eu desconheço, desaprovo, e desfaleço ao olhar-me no espelho e ver que essa mulher, sou eu.
Já não sei onde estão meus livros, perdi tudo o que já escrevi, perdi as lembranças das minhas dores, das minhas euforias, dos meus assaltos de medo. Perdi o medo. Perdi a fantasia, perdi a poesia. Não sei mais dançar, meus pés agora não me guiam pela suavidade de um movimento extasiado de sentimentos. Hoje, meus pés são armas que me defendem do que eu já não temo.
Perdi parte de mim na estação de trem, na hora não percebi e não chorei. Nunca mais chorei, pois já estava me afastando de mim. Esperei, esperei, esperei. Sonhei, desejei, enlouqueci. Hoje, com as lágrimas secas de um pranto esquecido, percebo, apenas, que sobrevivi.

CT